<em>Sob a lei da selva </em>

André Levy
Os efeitos dos fu­ra­cões Ka­trina e Rita no sudeste dos EUA trouxeram à superfície, aos olhos dos EUA e do mundo, a violência das divisões económicas coincidentes com clivagens étnicas. Enquanto as camadas mais favorecidas obtiveram assistência para evacuar as regiões atingidas, as camadas mais desfavorecidas eram abandonadas ou deslocadas para estádios desportivos e outros alojamentos, onde permaneceram em grandes concentrações sem condições dignas, e por vezes sem água nem comida. Os que quiseram permanecer nos seus lares foram obrigados a abandoná-los sob pressão policial.
Nas semanas seguintes à calamidade, em Nova Orleães, senhorios iniciaram o despejo de milhares de pessoas por dia, a maioria das quais tinha sido forçada a abandonar a cidade, e as rendas de muitas casas triplicaram face aos valores pré Ka­trina. São sobretudo os pobres e os negros os alvo destas medidas. O governo permitiu que fosse a economia de mercado e os proprietários a conduzir a reconstrução e o resultado tem sido um processo de gen­tri­fi­ca­tion (a reconstrução de zonas deterioradas acompanhada da substituição de camadas pobres por pessoas da classe média alta), que ameaça alterar profundamente o perfil da cidade e deixar milhares ao abandono.
Logo após Ka­trina, Bush suspendeu por ordem executiva o Acto Davis-Bacon, que garante protecções no pagamento de salários. Mas fruto da forte oposição sindical e das comunidades, e a sageza do Representante George Miller, o Congresso forçou Bush a retroceder. Mas tal não impediu outras formas de abuso laboral. Vejamos um esquema comum: uma companhia como a Halliburton, ou sua subsidiária Kellogg, Brown and Root – ambas com historial de beneficiarem de contratos monstros da administração Bush sem necessitar de concursos públicos abertos – recebe um contrato para limpar uma zona, a 46 dólares por metro cúbico. Contrata uma companhia local para limpar escombros a 32 dólares, que por sua vez subcontrata o trabalho, etc. até uma receber 5 dólares por metro cúbico. Não é raro estarem 50 companhias subcontratadas pela companhia com o contrato inicial, com 5 ou mais elos entre esta e o trabalhador. São centenas de companhias a palmar do bolo apenas por passarem a bola ao próximo.

Pa­ra­lelo com o Iraque

Os subcontratados mais locais, com uma margem de lucro já bastante estreita, contratam trabalhadores imigrantes e indigentes e pagam-lhes o mínimo possível, quando pagam. Embora tenha sido revertida a decisão de Bush de absolver as companhias dos processos de certificação legal dos seus empregados, muitos delas contratam ainda imigrantes ilegais.
Resultado: milhares de trabalhadores, os que efectivamente estão a reconstruir as cidades destruídas, estão sem receber os seus salários há meses. Os ilegais temem protestar contra a situação. Quando há protestos, os patrões alegam que foram subcontratados, que a companhia que lhe encomendou o serviço também ainda não lhes pagou. Estas pirâmides de subcontratação, onde o fluxo de dinheiro não é supervisionado, com todos os níveis afirmando-se isentos de culpa por não pagarem, estão a permitir uma cultura de abuso e fartas oportunidades para explorar os trabalhadores. Basta uma companhia não receber o seu pagamento, ou meter dinheiro ao bolso, e a cascata recai sobre o trabalhador. É inclusivamente difícil a um trabalhador traçar a cadeia e saber quem é a companhia primariamente responsável pelo seu trabalho, face à qual poderia exigir o seu salário.
Os esquemas de subcontratação e exploração laboral na reconstrução de Nova Orleães têm um enorme paralelo com a «reconstrução» no Iraque pelas forças de ocupação. Aí, por exemplo, subcontratados da Halliburton pagam baixos salários a filipinos, nepaleses, sri-lanqueses e outros trabalhadores imigrantes para construir instalações militares; e cobraram fortunas às próprias Forças Armadas dos EUA pela prestação de serviços vários, desde lavandaria à confecção alimentar. A Casa de Representantes apurou que a Halliburton é responsável por 1.4 mil milhões de dólares de custos questionáveis e não fundamentados no Iraque. Apesar disto, o Pentágono continua a conceder contratos à antiga companhia do vice-presidente Dick Cheney, incluindo um contrato de 500 mil milhões de dólares, anunciado em Junho, para ampliar a prisão de Guantanamo. Apesar de declarar já não possuir interesse financeiro na companhia, Cheney continua a receber um salário deferido (quase 200 mil dólares em 2004), e as suas acções da Halliburton aumentaram 3281% em 2005. Em tempo de guerra, lucram os ricos e seus amigos…


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